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FARMACODERMIA

As farmacodermias são manifestações clínicas indesejáveis, previsíveis ou imprevisíveis, causadas pela administração de um medicamento, dependentes ou não da dose e da via de administração. As manifestações cutâneo-mucosas são comuns, localizadas ou múltiplas, de aspectos clínicos diversos. Outros sistemas podem ser comprometidos como rins, fígado, trato gastrintestinal, sistema hematopoiético e Sistema Nervoso Central (SNC).



Os grupos de maior risco são mulheres, recém-nascidos, idosos, pacientes em uso de múltiplas medicações ou portadores de doenças oncológicas e imunológicas. As reações adversas aos medicamentos ocorrem por mecanismos não imunológicos (superdosagem, efeitos colaterais, intolerância e idiossincrasia) ou imunológicos.


Frequentemente, as reações adversas aos medicamentos se manifestam por meio de lesões cutâneas; nesses pacientes, o mecanismo mais comum é o imunológico, entretanto muitas farmacodermias têm seu mecanismo etiopatogênico desconhecido.


As farmacodermias possuem diferentes apresentações clínicas. A seguir, serão abordadas as principais manifestações dermatológicas e os medicamentos desencadeantes.


EXANTEMA AGUDO:


Representa a manifestação mais comum de farmacodermia. Inicia-se, em geral, entre 4 e 14 dias após a introdução do medicamento. Pode desaparecer durante o uso, pelo surgimento de anticorpos bloqueadores do tipo IgM. Exposições subsequentes podem determinar quadros de intensidade igual ou maior, ou nenhuma reação. O principal diagnóstico diferencial é com os exantemas infecciosos. São desencadeados principalmente por ampicilina, penicilina, gentamicina, sulfonamidas, pirazolonas, fenitoína e carbamazepina.


ERITEMA PIGMENTAR FIXO OU ERUPÇÃO FIXA A FÁRMACO:


Em geral, poucos minutos ou horas após a administração do medicamento, surgem manchas arredondadas ou ovais, com limites nítidos, eritematosas ou ligeiramente urticadas, que evoluem para máculas hiperpigmentadas. A reexposição ao medicamento provoca recidiva no mesmo local. Qualquer substância pode desencadear o eritema pigmentar fixo, mas frequentemente, os responsáveis são analgésicos, antipiréticos (dipirona, salicilatos), fenilbutazona, tetraciclina, barbitúricos, sulfas e fenolftaleína.

URTICÁRIA AGUDA OU CRÔNICA:

Manifestação comum de farmacodermia; nas formas graves, podem ocorrer hipotensão, edema de glote e das vias aéreas respiratórias e até choque anafilático. O angioedema é raro (menos de 1% dos casos). O diagnóstico clínico é fácil – as lesões eritêmato-pápulo-edematosas são intensamente pruriginosas, efêmeras e recidivam rapidamente.

ERITEMA POLIMORFO, SÍNDROME DE STEVENS JOHNSON E NECRÓLISE EPIDÉRMICA TÓXICA — NET (SÍNDROME DE LYELL):

Classicamente, as três apresentações clínicas eram consideradas uma forma espectral que variava de manifestação leve a fulminante de uma mesma doença. Entretanto, esse conceito foi reavaliado e passou-se a considerar o eritema multiforme minor e major doenças associadas a infecções, principalmente causadas por herpes-vírus e, em 10% dos casos, é relacionadas a fármacos (AINH, antibióticos, sulfonamidas e anticonvulsivantes).


No eritema multiforme minor, as lesões em alvo são máculas e pápulas com três zonas distintas, uma área central purpúrica, uma intermediária edematosa e pálida e outra periférica eritematosa com bordas bem definidas. Distribuem-se predominantemente na região acral. Quando ocorrem acometimento cutâneo e mucoso, é chamado de eritema multiforme major. A síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) é desencadeada por medicamento em aproximadamente 75% dos casos. Caracteriza-se por descolamento epidérmico de até 10% da superfície corpórea, lesões mucosas, sintomas gerais como febre, cefaleia, mialgias e artralgias, podendo ocorrer acometimento sistêmico. A NET é extremamente grave, podendo ser fatal em mais de 30% dos casos. O descolamento epidérmico atinge mais de 30% da superfície corpórea. Quando o descolamento epidérmico acomete entre 10 e 30% do tegumento, é classificado como sobreposição de síndrome de SSJ e NET.


Os medicamentos frequentemente implicados na SSJ e na NET são sulfas, analgésicos e AINH (dipirona, salicilatos, fenilbutazona), barbitúricos, hidantoinatos, alopurinol e antibióticos (penicilina, ampicilina).

ALOPÉCIA:

Inúmeras substâncias podem causar alopécia em graus variados. O eflúvio anágeno é efeito colateral importante dos citostáticos. Há recuperação total após o término do tratamento. Os medicamentos relacionados ao eflúvio telógeno são anticoagulantes cumarínicos, heparina, tiouracil, hidantoína (alopécia no couro cabeludo e hipertricose em outras áreas), vitamina A, retinoides, anticoncepcionais, levodopa, propanolol, albendazol, clofibrato e danazol.

HIPERTRICOSE:


Causada principalmente por corticosteroides, antiandrogênios (espironolactona), diazóxido, minoxidil, hidantoínas, estreptomicina, psoralenos e ciclosporina.

ALTERAÇÕES UNGUEAIS:

As unhas podem ter sua coloração alterada pelo uso de fármacos: cor acastanhada por citostáticos, antimaláricos, tetraciclinas, zidovudina; linhas brancas por quimioterápicos. Outra alteração habitual é a onicólise por citostáticos, betabloqueadores, retinoides, isoniazida, sulfas, benoxaprofen e captopril.

DISTÚRBIOS DA PIGMENTAÇÃO:

Os fármacos mais comumente associados são anticoncepcionais, amiodarona, imipramina, clorpromazina, sulfassalazina, minociclina, zidovudina, clofazimina, antimaláricos e citostáticos.

ERUPÇÕES ACNEIFORMES:

São de aparecimento abrupto, com lesões monomorfas, pápulo-pustulosas, sem comedões e em localizações não próprias da acne, como membros superiores e todo o tronco. São causadas por corticosteroides, androgênios, anticoncepcionais, hidantoína, cianocobalamina, lítio, cetuximabe, isoniazida e halogenados (iodo, bromo, cloro, flúor). Os halogenados, em geral, provocam quadros mais exuberantes com lesões inflamatórias bolhosas, pustulosas e vegetantes, denominados iododerma ou bromoderma.

ERUPÇÕES ECZEMATOSAS:


O uso tópico de determinados fármacos pode desencadear quadros de dermatite de contato alérgica ou reações eczematosas a medicamentos usados sistemicamente (síndrome de Babuíno e eczema de contato endógeno). Os medicamentos de uso tópico desencadeantes de quadros de dermatite de contato alérgica são sulfas, penicilina, anestésicos do grupo da procaína, derivados da fenotiazina, resorcina, bálsamo do peru, formol e mercuriais. As reações eczematosas a fármacos de uso sistêmico são raras e ocorrem pela utilização de sais de ouro, bleomicina, betabloqueadores, metildopa, derivados pirazolônicos, penicilina, ampicilina, amoxacilina, heparina, terbinafina, níquel, mercúrio (incluindo os encontrados em preparações homeopáticas) e hidroxiureia.

ERUPÇÕES LIQUENOIDES:

Os quadros tendem a ser extensos e podem se desenvolver semanas ou meses após a introdução do medicamento. As lesões são geralmente simétricas, atingindo tronco e extremidades, e raramente acometem mucosas. Os medicamentos mais implicados são sais de ouro, antimaláricos, tetraciclinas, diuréticos tiazídicos, furosemida, diazóxido, metildopa, betabloqueadores, lítio, fenitoína, inibidores da ECA, fenotiazinas e carbamazepina.

ERITRODERMIA:


É uma erupção eritêmato-descamativa, difusa, de início súbito ou gradual, acompanhada de prurido, febre e adenopatia. Pode ser causada por derivados mercuriais e arsenicais, sais de ouro, lítio, alopurinol, sulfonamidas, antimaláricos, penicilina, hidantoína, isoniazida, barbitúricos, derivados da fenotiazina e cloroquina.

VASCULITE:

Pode acometer a pele e até órgãos internos. Caracteriza-se por púrpura palpável predominantemente nos membros inferiores. Os medicamentos estão implicados em cerca de 10% dos casos de vasculite. Os principais fármacos desencadeantes são alopurinol, AINH, cimetidina, penicilinas, cefalosporinas, quinolonas, sulfonamidas, fenitoína e propiltiuracil.

PÚRPURA:

Pode ser púrpura alérgica, por formação de anticorpos IgG anticomplexo fármaco-plaquetas, como a causada pela quinina e quinidina ou por dano às paredes vasculares por reação com anticorpos anticomplexo fármaco-células endoteliais. As púrpuras não alérgicas ocorrem por plaquetopenia associada à depressão medular, provocada por citostáticos, ou por excesso de agregação plaquetária por danos endoteliais (bleomicina) ou por alterações da coagulação (doses excessivas de anticoagulantes) ou corticoterapia prolongada.

ERUPÇÕES VESICOBOLHOSAS:

Quadros semelhantes aos do pênfigo foliáceo ou vulgar, podem ser desencadeados por fármacos como d-penicilamina, penicilina, captopril, enalapril, nifedipina, cefalosporinas, derivados pirazolônicos e rifampicina. Existem quadros penfigoide bolhoso-símiles desencadeados por furosemida, espironolactona, d-penicilamina, captopril, indometacina, penicilamina, fenilbutazona, piroxicam, propanolol e rifampicina. A dermatite por IgA linear pode ser desencadeada por vancomicina, lítio, furosemida, atorvastatina, captopril e diclofenaco.

ALTERAÇÕES DA CAVIDADE ORAL:

Vários tipos de alterações podem ocorrer: pigmentação por antimaláricos; hiperplasia gengival por hidantoína ou ciclosporina; coloração amarelada dos dentes por tetraciclinas; e mucosites por quimioterápicos.

PUSTULOSE EXANTEMÁTICA GENERALIZADA AGUDA (PEGA):

Caracteriza-se pelo aparecimento súbito de pústulas estéreis não foliculares sobre base eritematosa que se iniciam em áreas flexurais e rapidamente se tornam generalizadas. Além da manifestação dermatológica, ocorrem febre e leucocitose. É causada geralmente por antibióticos (macrolídeos e betalactâmicos), hidroxicloroquina, sulfonamidas, terbinafina, diltiazem e carbamazepina.

REAÇÃO AO FÁRMACO COM EOSINOFILIA E SINTOMAS SISTÊMICOS (DRESS):

A reação ao fármaco com eosinofilia e sintomas sistêmicos, conhecida como DRESS (do inglês, drug reaction with eosinophilia and systemic symtoms), é uma reação medicamentosa grave com envolvimento de múltiplos órgãos. É caracterizada por febre, eosinofilia e/ou linfócitos atípicos, envolvimento de múltiplos órgãos (disfunção hepática, renal, cardíaca, pancreática e tiroidiana), linfadenopatia e manifestação cutânea evidenciada mais frequentemente por exantema maculopapular. O início do quadro clínico ocorre entre 2 e 6 semanas após o início do uso do medicamento, e os sintomas podem persistir mesmo com a sua suspensão. Acredita-se que a reativação de vírus da família Herpesviridae (HHV-6, HHV-7, vírus Epstein-Barr e citomegalovírus) esteja envolvida na etiopatogenia da doença. É causada principalmente por carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, nevirapina, alopurinol, lamotrigina, AINH, dapsona, trimetoprim-sulfametoxazol e sulfassalazina.


TRATAMENTO

Para controle do quadro de farmacodermia é importante suspender o medicamento implicado no aparecimento das lesões. Antihistaminicos orais podem ser prescritos se houver prurido associado e corticoides tópicos podem ser utilizado por período limitado. Nos quadros graves pode ser necessário o uso de corticoide sistêmico e eventualmente imunoglobulina EV.

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